quarta-feira, maio 30, 2007

O Coração Aqui


Decorreu recentemente, no Porto, a sessão de lançamento do livro de poesia de Maria Ramos (Maria Odete Ramos Campos).

A sessão realizou-se na Casa dos Arcos e contou com a presença de Isabel de Carvalho Garcia, das Edições MinervaCoimbra.

A obra foi apresentada por Daniel Serrão, professor catedrático jubilado da Universidade do Porto e membro do Comité de Bioética do Conselho da Europa.

No final actuou o Coro Dramático da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra no Porto, do qual a Autora faz parte.













P O E S I A
De Maria Ramos

Minha Querida Amiga Maria Ramos
Estou, hoje, aqui, numa grande dificuldade.
Apresentar um livro de poesia é impossível, porque a poesia é um mistério.

Analisando, uma vez, na Academia das Ciências, a poesia de António Gedeão escrevi que o Poeta usa as palavras de todos nós, mas atribui-lhes um outro e novo sentido, desconstrói a sintaxe comum, inventa um ritmo próprio, como que fazendo ondular as palavras, e descobre consonâncias vocálicas que são a música interna do poema.

Tudo isto acontece na auto-consciência do Poeta; mas nem ele nem nós sabemos como acontece. E no como deste acontecer pessoal é que está o mistério e o sortilégio da poesia.
Quando lemos poesia partilhamos deste mistério mas não o compreendemos.

Sentimos pela nossa inteligência emocional mas não sabemos porque sentimos. A nossa inteligência racional, reflexiva e simbolizadora, não consegue dar-nos uma explicação lógica.
Por isso, ler ou ouvir ler ou ouvir ler um poema é como contemplar uma pintura. Há uma mensagem que está nas linhas, nas cores, nos volumes, mensagem que captamos emocionalmente, que nos dá prazer ou desgosto, alegria ou tristeza, mas que não sabemos explicar ou traduzir por palavras. Entre a invenção pessoal do pintor, que ele passou para a tela, e a nossa captação dela, há um hiato de mistério. É o segredo deste mistério que hoje vale milhões, quando num leilão da Christie’s aparece, por exemplo, o rapaz da boina, de Picasso, uns lírios de van Gogh ou um dos vários auto-retratos de Rubens. E seriam milhares de milhões se, por milagre impossível, lá aparecesse um dia o misterioso sorriso de La Gioconda.

Foi este o mistério que pressenti ao ler os poemas de Maria Ramos.

Não são poemas para ler de afogadilho, às pressas. São para ler devagar, agora um logo outro, para lhe apreender primeiro a forma e o ritmo, depois o sentido de cada palavra, e, finalmente, intuir a emoção global que estaria no espírito - na auto-consciência - da autora, Maria Ramos.

Como notas de leitura, direi:

- São poemas de amor, mas não são só poemas de amor. Como Pablo Neruda, esse brilhante poeta judeu chileno, que escreveu vinte poemas de amor e uma canção desesperada, também Maria Ramos tem, pelo menos, um poema desesperado

Deixaste-me Senhor,
De mãos vazias
Com o amargo sabor
Da desventura

- São poemas de amor, mas não do amor piegas e romântico, antes daquele amor que, como diz noutro poema,

Não se mede
Não tem peso
Nem lei

É o amor que acontece. E que, noutro poema, assim se exprime

O Amor
Distante é afinal
Tão próximo
E tão longe
Tão grande
E tão pequeno…
Maior que a Humanidade
E tão banal…
Que dá
E vai tirando
E torna a dar
Numa entrega constante,
Que é preciso conhecer
Para segurar…

- Também são poemas de sonho e de verdade, tão subtis que não sabemos bem onde acaba o sonho e começa a verdade ou onde a verdade se transforma em sonho

A “menina loira” soube trazer da areia da praia para este belo livro,
Os versos mais belos que andara a sonhar,
não deixando que o vento os levasse e deixassem de ser.

Cara Maria Ramos, deixe-me que a felicite por ter posto no mundo este seu filho. Ajudou a nascer milhares de filhos de outras mães, mas este foi, talvez, o seu parto mais difícil, a coroar uma gestação de muitos anos. Afinal, uma gestação prolongada, mas saudável.

Mas creia que valeu a pena dar à luz do dia este seu “Coração aqui”.

E nele um outro filho de carne e osso, o Pedro, deixou uma marca de leveza, de inspiração e de elegância. Gostei de todos os desenhos mas penso que foi particularmente feliz no que acompanha o poema “Menina loira”.

O filho agora está fora do seu corpo e vai andar por aí com a excelente apresentação gráfica que é timbre da MinervaCoimbra.

Cabe-nos a nós recolhê-lo, acalentá-lo e fazer com que muitos outros o conheçam e o amem.

Daniel Serrão

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