terça-feira, novembro 21, 2006

O jornalismo e a História

Este número de Media & Jornalismo é especialmente dedicado à História da Imprensa. Trata-se de uma área de saber que tem sido pouca valorizada, tanto na investigação histórica, como nas diversas abordagens que os estudos de Comunicação têm vindo a privilegiar. Ainda assim, mais recentemente diversos estudos ao nível de Pós-graduações, Mestrados e Doutoramentos têm contribuído para um conhecimento mais detalhado dos jornais, dos jornalistas, das leis da Imprensa e do jornalismo do século XIX e XX.

Nesse sentido, Ana Cabrera, Doutorada em História Política e Institucional Contemporânea, organizou este número, justamente com o duplo objectivo de dar a conhecer, valorizar e estimular a investigação na área da história dos media e do jornalismo.

Constituem também objectivos deste número, fornecer uma visão diacrónica de estudos sobre a imprensa, – daí aparecerem assuntos relacionados uns com o século XIX e outros com o século XX; alargar o conhecimento sobre o regime censório do Estado Novo; e problematizar as condições e contribuições dos jornalistas num período de viragem na política portuguesa.

Apresenta-se, assim, uma diversidade de assuntos e de abordagens, no sentido de sublinhar que o estudo do passado apoia o conhecimento do presente, que nenhuma interpretação é definitiva, que a História contempla e integra a diversidade das interpretações, recorrendo a diversas fontes e metodologias.

Em “Os jornalistas no marcelismo – dinâmicas sociais e reivindicativas”, Ana Cabrera analisa as alterações na profissão que se avolumaram nos finais dos anos sessenta. Através do uso de bases de dados e de metodologias quantitativas, de entrevistas, cruzadas com interpretação de diversos documentos, a autora apresenta a evolução da classe ao longo de catorze anos (1960-74) assinalando a forma como o aumento da demanda de mão-de-obra conduziu ao rejuvenescimento das redacções, à aplicação de novos métodos de trabalho e a muita inovação nos jornais. Demonstra ainda como uma nova geração mais habilitada, com frequência universitária e experiência nos Movimentos Associativos da década de sessenta, forçou uma viragem no processo reivindicativo dos jornalistas, bem como na organização sindical.

No artigo “Anos 60: um período de viragem no jornalismo português” Carla Baptista e Fernando Correia apresentam alguns resultados de uma investigação, intitulada “Memórias do Jornalismo”, que consistiu na recolha e tratamento de testemunhos orais de profissionais
– jornalistas e tipógrafos. Os contributos das entrevistas são analisados em função dos percursos profissionais e do contexto histórico em que ocorreram. Os autores descrevem processos de trabalho, a hierarquia na redacção, as relações profissionais e as restrições que a censura impunha aos jornais e à actividade dos jornalistas, identificando os anos sessenta como um período de viragem no jornalismo português em virtude do rejuvenescimento dos quadros e consequentes mudanças na liderança das redacções.

Em “Revistas políticas no Estado Novo: uma primeira aproximação histórica ao problema”, Álvaro Matos parte de uma selecção de seis revistas publicadas durante o Estado Novo. Num primeiro grupo as revistas são claramente políticas como é o caso do “Integralismo Lusitano”, “Tempo Presente” e o “Tempo e o Modo”; num segundo conjunto a selecção recaiu em revistas literárias e económicas, que naturalmente não deixam de ser políticas, como é o caso de “O Ocidente” a “Vértice” e a “Revista de Economia”. Cada revista é apresentada segundo as linhas ideológicas, os conteúdos e os seus colaboradores. O autor conclui que apesar do regime censório, o Estado Novo não era um regime monolítico e permitia mesmo, quer à direita, quer à esquerda a existência de publicações cujos conteúdos eram críticos, salvaguardando, embora, a discrição e a subtileza das criticas, bem como não inclusão de autores proibidos.

Joaquim Cardoso Gomes no artigo “Álvaro Salvação Barreto: oficial e censor do salazarismo”, é uma biografia do Tenente-Coronel de artilharia que foi responsável pela edificação da máquina da censura em Portugal. A acção deste militar faz-se sentir entre o 1928 até 1944. O texto apresenta as diversas etapas do estabelecimento da censura, quer ao nível da máquina organizacional, quer ao nível do seu pessoal político que era, até ao fim da 2ª Guerra Mundial, exclusivamente militar. Apresenta ainda os esforços levados a cabo por Salvação Barreto no sentido de manter a autonomia da censura face ao Secretariado para a Propaganda Nacional (SPN) situação que não viu consignada uma vez que em 1944 a propaganda e a censura ficam subordinadas a Salazar o que ditou o afastamento de Salvação Barreto e o seu ingresso na liderança da Câmara Municipal de Lisboa.

Rogério Santos em “O jornalismo na transição do século XIX para o XX. O caso do diário Novidades (1885-1913)”, apresenta a primeira série deste periódico segundo três eixos de análise: linha ideológica; secções e géneros jornalísticos os jornalistas e a sua actividade profissional. Numa época em que os jornais mantêm uma forte ligação a correntes de opinião o Novidades assumia-se como defensor do regime monárquico e dos valores da igreja católica e como opositor frontal ao ideário republicano. Ainda assim este jornalismo de opinião de feição muito próxima da literatura reunia colaboradores de peso como Emídio Navarro, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e Eça de Queirós.

Esta secção do número 9 dedicada à História da Imprensa, fecha com uma entrevista a Peter M. Herford conduzida por Eduardo Cintra Torres, investigador e crítico de televisão. A sua leitura oferece um enorme manancial de informação não só sobre o seu percurso profissional que contempla mais de 30 anos, como também acerca da cobertura de acontecimentos que mudaram a televisão americana como foi o caso do assassínio do Presidente Kennedy. A propósito deste acontecimento a CBS manteve, pela primeira vez na história das transmissões televisivas, um acontecimento no ar durante quatro dias, com vários directos, apesar das restrições tecnológicas que se colocavam nos anos sessenta.

Fora do tema deste número apresenta-se um estudo de Hermenegildo Borges sobre a “Publicidade erótica e a sua problemática regulação”. Neste trabalho o autor analisa o enquadramento jurídico do assunto e problematiza se deve ou não existir uma maior regulamentação sobre estas matérias, disponibilizando argumentos a favor e contra e propondo uma hipótese de resposta.

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