segunda-feira, julho 03, 2006

EPITÁFIOS A UMA INSENSATEZ INACABADA
















O mais recente livro do poeta, dramaturgo e pintor, Miguel Barbosa editado pela MinervaCoimbra foi lançado no Museu Nacional de Arqueologia, Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa. "Epitáfios a uma insensatez inacabada" é o número 48 da Colecção Poesia Minerva dirigida por José Ribeiro Ferreira.
















Luís Machado, Joaquim Pessoa, Lívia Cristina, Miguel Barbosa e Isabel de Carvalho Garcia


A mesa presidida por Lívia Cristina em representação do Director do Museu, Luís Raposo, contou ainda com Miguel Barbosa, Joaquim Pessoa (que fez a apresentação do livro), Luís Machado (leitura de alguns poemas) e Isabel de Carvalho Garcia que em nome da editora agradeceu a oportunidade de apresentar este livro num local tão envolvente e simbólico como o Museu Nacional de Arqueologia. A editora teceu algumas considerações sobre o autor, e o seu vasto curriculum, que para além da literatura envolve ainda a pintura com inúmeras exposições em Portugal e no estrangeiro.

Isabel Garcia aproveitou a oportunidade para perante uma plateia de ilustres poetas e escritores mais uma vez elucidar que as Edições MinervaCoimbra nasceram há 20 anos, em Coimbra, com uma forte ligação à Universidade através dos seus autores, consultores, directores de colecção e as mais variadas colecções temáticas e co-edições. E que esta editora que inicialmente aparecia com a marca Livraria Minerva passou a marca registada de Edições MinervaCoimbra e é propriedade de José Alberto Amaral Garcia e Maria Isabel Fernandes de Carvalho Garcia.

















Epitáfios a uma insensatez inacabada ou um acertar de contas com a vida


Toda a eternidade cabe num segundo. E o que é um segundo? Um momento? Um instante? E, além disso, esse momento, esse instante que se capta, é a captação de uma realidade do presente ou, apesar de um segundo apenas, ela é já passado, é inexoravelmente passado, porque simplesmente o presente não existe?

Tantas perguntas, tão poucas respostas, muitas dúvidas, nenhumas certezas, ou melhor, uma certeza apenas na observação destes momentos que o talento do Miguel Barbosa permitiu roubar à eternidade para nos dar de presente, já que o presente, talvez não exista mesmo. E essa certeza é a de que, arrancados à vida, todos estes poemas são ao mesmo tempo momentos do passado e do futuro, e isto é a razão fundamental para perpetuar a poesia e a arte, que o mesmo é dizer, perpetuar a vida. Essa vida feita de encontros e desencontros, de ternura e lágrimas, de riso e de tristeza, de desilusão e de esperança.

O Miguel Barbosa não empurra o vento. Ele sabe que há coisas que não são captáveis, e não vale a pena fazer de conta que o são. Os seus poemas não são retratos psicológicos, os seus momentos retirados à vida são reais, não são imaginários. Eles aí estão, plenos de força, plenos de vida, que o mesmo é dizer de beleza, de constrangimento, de admiração. E também de coragem.

Na sua arte o pintor/poeta repara naquilo que o comum dos mortais tem por vezes dificuldade em ver. Se é essa a sua principal virtude, é esse o seu principal tormento. O poeta não desolha, não se distrai, não recua perante a vida. Dá-lhe apenas a sua pincelada pessoal, específica, própria, como uma impressão digital. O resto somos nós que temos que ver, que ler, que interpretar, porque, como estes momentos o demostram, quanto mais clara parece a leitura, mais complexa é a sua interpretação.

É, afinal, a diferença entre o que é fácil e o que é simples.
Apenas isso.

"Epitáfios a uma insensatez inacabada" é fruto de um longo percurso de escrita poética de Miguel Barbosa. Escrita sedimentar que se foi acumulando como o pólen ou, simplesmente, como o pó.

Digo como o pólen, no sentido da construção laboriosa de um corpo lírico conseguido com a paciência da abelha, trabalho de amor, de carinho renovado, de ternura que vai cristalizando como o mel, e que acaba por ir alimentando a escrita e o próprio poeta.

Digo como o pó, no sentido da memória: cantar é viajar pelo corpo e pela memória. Cantar é dar corpo à vida. É dar memória às coisas vivas, quase como na arqueologia. Por isso são, em muitas coisas, parecidos os arqueólogos e os poetas: trazem o passado ao presente e oferecem um presente ao futuro.

Mas é nítido que o nosso poeta escolhe, ou ganha, também outro lugar: o lugar do coração, uma pátria interior que extravasa as fronteiras do corpo, onde o outro ocupa uma grande parte dos territórios físico e emocional. Por isso, estes também são poemas de amor, quando se revelam como afirmações do sofrimento humano e amoroso, dos enganos, das frustações, da decepção ou do júbilo. São poemas de enorme dimensão pessoal, de permanente declaração inequívoca de que o outro não nos substitui, o outro não nos anula, o outro não é senão o outro em nós.

Seja alegria ou ansiedade, tranquilidade ou desespero, euforia ou sofrimento, o Miguel sabe transmitir rápida e profundamente todas essas disciplinas da emoção, ele que continua a ser um rebelde, mesmo sentindo que o corpo se sente prisioneiro de situações que a alma rejeita, para subir às alturas da liberdade. Escrever poesia é falar de libedade. É atingir a sua essência, aquilo que ela tem de mais belo e de mais humano: a criação.

Disse unm dia, de mim, o Miguel: Para o Joaquim Pessoa não há arte sem o poético coeficiente humano. Existe constante procura neste poeta-pintor da simplicidade, da síntese da essência do objecto e da criação.

Eu poderia, para falar dele, escrever hoje as mesmas palavras.
E acrescentar, prosaicamente; Miguel Barbosa, és um grande poeta, e este é um belo livro de poesia!

Naturalmente, nem tu, nem o teu livro poderão estar na graça de todos. Se assim for, é muito bom.

Lembra-te que nem Deus, que é supremo artista, consegue agradar a toda a gente.

A mim, até porque és susceptível, agradas-me.


Joaquim Pessoa


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