domingo, junho 11, 2006

José Tengarrinha no DN

"Não receio o excesso de de opinião mas o silêncio"

Marina Almeida

José Tengarrinha
Historiador
Nasceu em Portimão em 1932
Doutorado em História, é autor de uma vasta bibliografia sobre a história da imprensa portuguesa



Jornalista (entre 1953 e 1962), foi chefe de redacção do Diário Ilustrado
Autor da única História da Imprensa Periódica Portuguesa (Caminho, 1989), José Tengarrinha prepara a nova edição desta "bíblia". Soube, por um alfarrabista, no lançamento do seu mais recente livro, que a primeira edição da obra alcança hoje valores "astronómicos"... O novo volume, que já baptizou de Nova História da Imprensa Periódica Portuguesa, começa nas origens da imprensa, em 1641, e prolonga-se até ao 25 de Abril de 1974. Deverá ser editado dentro de dois anos. Entretanto, o historiador ultima um outro livro, sobre política popular.

Na apresentação do seu livro Imprensa e Opinião Pública em Portugal, fez um alerta. Disse que estamos numa das fases mais críticas da história contemporânea em que se exige uma reflexão urgente. Porquê?
Os media e a consequente formação de um espaço público crítico foram uma base de sustentação indispensável à formação e ao desenvolvimento da sociedade democrática. Ao longo da nossa história, a formação do espaço democrático e da sociedade democrática é indissociável da formação desse espaço público crítico, onde os cidadãos podem debater ideias, confrontar posições, onde podem influenciar o poder. O que se tem assistido nos últimos anos, não só em Portugal como também no estrangeiro, é que a influência de poderes na sociedade (refiro-me a poderes de várias naturezas mas nomeadamente políticos) têm vindo a exercer condicionamentos e influências contrárias à liberdade com que a opinião pública se deve manifestar e afirmar na sociedade, o chamado espaço público crítico.

Tem a ver com a concentração dos media em grandes grupos?
Também tem a ver com isso e esse é um fenómeno que não tem sido suficientemente abordado. A concentração não permite a suficiente concorrência e uma suficiente libertação das ideias, causa condicionamentos cada vez maiores. Isto é um aspecto fundamental da sociedade dos nossos dias que exige uma reflexão aprofundada e medidas urgentes. São factores que estão a exercer uma corrosão e a adulterar o fundamento democrático da sociedade. Ou nós temos condições corajosamente para enfrentarestes problemas ou a sociedade democrática, conservando a sua fachada, no fundo é cada vez menos democrática.

A pluralidade dos que fazem opinião nos jornais é apenas aparente?
A pluralidade existe na realidade mas é cada vez mais condicionada e se não nos opusermos a esse condicionamento crescente, haverá uma fachada democrática mas a expressão livre das opiniões críticas será limitada. Não é fácil denunciar isto, poucas pessoas o fazem...

O que pode ser feito?
Tem que haver pressão, mas pressão no bom sentido. Esta pode ser feita pelos cidadãos, denunciando estes actos, mas também pela defesa do consumidor, pelas próprias instituições que têm responsabilidade de verificar normas éticas fundamentais dos media.

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) pela forma como foi constituída, a partir de uma lista do PS e PSD, e com uma cooptação pouco clara do seu presidente não o faz temer precisamente por essa falta de pluralidade?
Sim. Penso que falta um leque de pluralidade e esta não se esgota em dois partidos. Mal de nós se assim fosse, a democracia era pobre, era mesmo muito pobre. A organização de correntes de opinião através de partidos vários é uma forma estável de consolidar a democracia. Dos membros da ERC apenas conheço a Estrela Serrano, por quem tenho a maior consideração. Julgo no entanto que o regulador ainda está muito no princípio, na determinação dos objectivos e dos meios de que vai dispor.

Que visão tem sobre os blogues, a que muitos chamam o novo contrapoder?
Leio e acho muito interessante a possibilidade de expressarem opiniões que saem da esfera de controlo dos poderes instituídos.

E os fóruns das rádios?
Sim, tudo isso é muito interessante. Quando ligo a rádio e está a acontecer um fórum desses já não saio de lá e oiço normalmente até ao fim. Interessa-me muito ouvir a opinião do homem ou da mulher que normalmente não tem condições para se exprimir de outra maneira. Acredito que vai elucidar os outros radiouvintes e, eventualmente, influenciar o próprio poder.
Os jornais eram o sítio onde se expressavam as opiniões e se defrontava o poder. Agora deu-se a palavra às pessoas "comuns".

Esta abundância de opiniões não pode ter um efeito perverso?
Não. O que me preocuparia era a escassez, a ausência, as pessoas estarem mudas e a opinião pública não ter veículos de expressão. Todos os veículos de transmissão de opinião que possam ser feitos na sociedade são úteis. Não receio o excesso de opinião mas o excesso de silêncio.

Considera que a história da imprensa não tem sido muito estudada pelos historiadores. Encontra alguma explicação?
O jornalismo foi sempre considerado um género menor da literatura. Deve ser considerado na sua dignidade própria, como um meio de expressão literária importante.

O seu trabalho permite-lhe cruzar as suas duas facetas, de historiador e de ex-jornalista...
Sim, tive essa felicidade. Uma história de imprensa dificilmente será feita por alguém que não viveu a imprensa. Eu aproveitei o facto de ser licenciado em História, com o facto de ter tido uma rica e larga experiência jornalística e fiz o primei- ro balanço da história de imprensa para o Joel Serrão, no Dicionário de História de Portugal. Esse artigo constitui a génese de todos os meus estudos sobre a imprensa.

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